O cartunista Angeli | foto divulgação |
O Cineclube Vila das Artes desta quarta (29) exibe, além do À Margem da Imagem, de Evaldo Mocarzel, o documentário Angeli 24H, de Beth Formaggini, sobre o cartunista Angeli. Historiadora e documentarista, Beth Formaggini está em Fortaleza orientando os alunos do Curso de Realização em Audiovisual da Vila das Artes na disciplina Metodologia de Pesquisa em Audiovisual.
Veja abaixo como foi o processo de criação de Angeli 24H.
Veja abaixo como foi o processo de criação de Angeli 24H.
Beth Formaggini | foto divulgação |
Qual foi a sua intenção ao fazer o filme?
O foco é o processo de trabalho do cartunista e chargista Angeli e as transformações e crises do nosso personagem diante da sua obra. O filme é centrado na sua obsessão pelo trabalho e na crise de ser um artista da cultura pop, que tem que produzir diariamente novas charges e tirinhas para várias mídias mas que ao mesmo tempo exige de si mesmo radicalidade e capacidade de se renovar, sempre botando o dedo na ferida. Eu lia alguma coisa dele e me dizia, era isto que eu estava pensando, o cara traduzia minha indignação, as questões de política e comportamento da minha geração.
Porque 24h?
O filme acompanha 1 dia no processo de criação do Angeli enquanto ele desenha no seu estúdio ao som de rock pesado e visceral a charge política que vai sair no dia seguinte na Folha de SP. Ele ensaia primeiro várias versões a lápis, depois escolhe uma delas e refaz tudo com lápis e nanquim. Finalmente, já de noite, insere as cores e o texto no computador. Nossa ideia era registrar no tempo os elementos principais da criação de Angeli. Além da conversa no estúdio, filmamos ações em 4 espaços paralelos.
Como foi isto?
Fizemos uma intervenção na cidade de São Paulo durante 24horas com 3 equipes trabalhando simultaneamente. A primeira equipe fez o registro de 24 horas em plano fixo da esquina Bar Estadão 24h + banca de jornal 24h + cotidiano de rua movimentada refletida na porta de vidro do bar. Plano frontal. A imagem foi acelerada na edição.A segunda equipe fez o registro de 24 horas em plano fixo e time lapse da Cidade de SP: prédios + ruas e viadutos + carros num Plongé do skyline de São Paulo feito com uma câmera Cannon 5D de cima de um prédio;
A terceira equipe saiu em busca dos personagens de Angeli, principalmente os anônimos retratados nas tirinhas da República dos Bananas. Fizemos retratos dos personagens olhando para a câmera por 2 minutos.
A edição destas imagens aceleradas da cidade deveria criar no espectador a sensação dos fluxos de pensamentos e sentimentos que passam pela cabeça do artista durante o seu processo de criação. Queríamos captar o fluxo mental do artista, seu mundo interior, o imaginário e os objetos de seu trabalho: o bar, a cidade e o ser humano angustiado da metrópole. Depois de uma pesquisa escolhemos locações para cada hora do dia e abordamos seus frequentadores: no Viaduto do Chá de dia; no bar Mercearia São Pedro à noite; na Praça Roosevelt de madrugada.
Como escolheram os personagens na cidade?
Angeli faz uma antropologia urbana, é o etnógrafo que traduz a minha geração, os freaks, os office boys, os habitantes angustiados de qualquer metrópole. É só andar nas ruas de SP que você esbarra com eles. Procuramos lugares movimentados com muita gente circulando. Filmamos em plano fixo para acelerar na montagem e destacar essas figuras do mundo real, além de dar vida ao fundo onde muitas pessoas passam ou se movimentam, criar uma atmosfera menos realista evocando os fluxos da cidade e a cabeça enlouquecida do cartunista enquanto ele silenciosamente trabalha sossegado em seu estúdio.
Houve algum imprevisto?
No meio da noite da intervenção, no dia 13 de novembro de 2009, um apagão se abateu sobre o sudeste do Brasil e deixou tudo às escuras. RJ, BSB, SP sem energia elétrica. Como usávamos baterias as equipes continuaram filmando até o amanhecer e registramos os claro-escuros que são uma grande metáfora da crise que nosso personagem está vivendo com relação a sua obra. O tempo real se impôs e o acaso nos deu a chave para a compreensão do artista e do foco do filme. Não usamos o apagão de forma naturalista na montagem do filme. Utilizamos o claro escuro da cidade e também do estúdio como um elemento subjetivo que traduz os momentos de crise do personagem.
Como foi feita a pesquisa?
Passei a vida lendo as tirinhas e charges do Angeli, Laerte e Glauco, fui leitora das entrevistas, das revistinhas, antologias, tudo! Comprava para meu filho, que era fã, e líamos os dois. Quando comecei a pesquisa, Carol, mulher do Angeli, me liberou os arquivos da família e li tudo o que podia. Ricky e Ana Pinta tinham feito uma mega exposição sobre ele e me ajudaram muito a ver sua produção nestes 35 anos de carreira.
Fiz uma longa entrevista com Angeli na casa dele com uma camerazinha. Percebi que, por ser um grande criador de personagens, ele tinha criado um personagem para si mesmo, que se confundia com o personagem autobiográfico das tirinhas e que estava em todas as entrevistas. Saquei que ele era um grande ator, carismático, performático, engraçado e denso ao mesmo tempo. Conversando com Lucas, meu filho e assistente de direção do filme, viciado em quadrinhos, reclamei que o Angeli tinha se colado a este personagem e que dificilmente ele seria trincado. Foi então que Lucas me alertou para o fato de que eu deveria tirar partido disto. Decidimos então dar para Angeli um palco com três tapadeiras, como numa tirinha, para que ele desenvolvesse este auto-retrato de forma ativa.
Foi num estúdio?
Sim, queria que fosse o menos naturalista possível. Ele seria transportado para o espaço da performance. A conversa com Angeli girou em torno da mudança no seu trabalho a partir de uma crise que foi acentuada pela perda do filho de Laerte num acidente. Esta dor potencializou nos dois um desejo de mudança que já estava fermentando há tempos. Angeli conversou sobre a insatisfação como criador, o assassinato de seus personagens e a busca de uma nova linguagem abandonando os traços caricaturais e assumindo uma tirinha onde a piada não é o mais importante e sim a ideia, o conceito.
Como escolheram as tirinhas?
Fizemos uma projeção das tiras de Angeli. Joana Collier foi minha parceira nesta fase de edição desta obra tão vasta. Houve muitas conversas com a equipe nesta fase de definição do conteúdo quando os principais conceitos apareceram. A ideia era que ele entrasse na projeção, que passaria a tatuar seu corpo deixando sua silhueta na tela. Ali Angeli comentaria a sua obra e poderíamos ver nas tiras escolhidas as transformações no seu trabalho.
Na edição final outras charges foram incluídas. Angeli cria charges para comentar os absurdos do cotidiano. Ele se expõe em carne viva na serie Angeli em crise, que foi nosso fio condutor. Ele fala de si e de uma geração que mudou o comportamento nos anos 60/70, numa revolução política e existencial que ele, na contramão do século XXI, continua praticando. Angeli valoriza, exercita e atualiza essa postura ética no dia-a-dia e no trabalho, fazendo seu público se relacionar com ela. Buscamos a radicalidade que está expressa em sua obra e que faz o público gargalhar e refletir, se horrorizar ou se identificar. Rir das suas fraquezas e de suas mazelas. Confrontar-se com elas.
Como foi pensada a trilha sonora?
Ao realizar o filme pensamos numa trilha com rock experimental. Angeli trabalha ao som de rock, sua vida e seu trabalho têm esta batida. Pesquisamos muito para encontrar o tom certo. Montei o filme inicialmente com o som do Jimmy Hendrix, que é meu ídolo. Pensamos em chamar Edgar Scandurra, mas convidamos finalmente o Jr. Tostoi da banda Vulgue Tostoi, que tem uma proposta musical capaz de receber linguagens diversas. Eles estão sempre num contínuo processo de reinvenção, construindo e desconstruindo conceitos, assim como o Angeli. Fazem músicas dançantes mas que proporcionam curiosidade e estranhamento nas pessoas. Tostoi tomou pra si o documentário e compôs uma trilha visceral, foi um achado.
E o lançamento?
Pretendemos realizar um espetáculo multimídia integrando tirinhas, charges, artes plásticas, música e cinema. Nosa ideia é fazer o lançamento do cd/dvd Angeli 24horas junto com a trilha original do filme interpretada pela Banda Vulgue Tostoi num show que apresentará as músicas compostas especialmente para o filme por Jr. Tostoi. Elas precisam ir além do filme e fazer dançar plateias pelo Brasil a fora.
Faremos a exibição do documentário em telões com a trilha tocada ao vivo. Montaremos na sala de entrada do espetáculo a instalação Fluxos sobre as relações entre a obra de Angeli e os fluxos da metrópole pra expor o trabalho dele integrado com o material da intervenção que fizemos em SP. Ja inscrevi projetos para captar recursos com vistas ao lançamento nos editais dos Correios, do Sesc, da Natura Musical. Vamos ver se no ano que vem Angeli 24h cai na estrada.
O foco é o processo de trabalho do cartunista e chargista Angeli e as transformações e crises do nosso personagem diante da sua obra. O filme é centrado na sua obsessão pelo trabalho e na crise de ser um artista da cultura pop, que tem que produzir diariamente novas charges e tirinhas para várias mídias mas que ao mesmo tempo exige de si mesmo radicalidade e capacidade de se renovar, sempre botando o dedo na ferida. Eu lia alguma coisa dele e me dizia, era isto que eu estava pensando, o cara traduzia minha indignação, as questões de política e comportamento da minha geração.
Porque 24h?
O filme acompanha 1 dia no processo de criação do Angeli enquanto ele desenha no seu estúdio ao som de rock pesado e visceral a charge política que vai sair no dia seguinte na Folha de SP. Ele ensaia primeiro várias versões a lápis, depois escolhe uma delas e refaz tudo com lápis e nanquim. Finalmente, já de noite, insere as cores e o texto no computador. Nossa ideia era registrar no tempo os elementos principais da criação de Angeli. Além da conversa no estúdio, filmamos ações em 4 espaços paralelos.
Como foi isto?
Fizemos uma intervenção na cidade de São Paulo durante 24horas com 3 equipes trabalhando simultaneamente. A primeira equipe fez o registro de 24 horas em plano fixo da esquina Bar Estadão 24h + banca de jornal 24h + cotidiano de rua movimentada refletida na porta de vidro do bar. Plano frontal. A imagem foi acelerada na edição.A segunda equipe fez o registro de 24 horas em plano fixo e time lapse da Cidade de SP: prédios + ruas e viadutos + carros num Plongé do skyline de São Paulo feito com uma câmera Cannon 5D de cima de um prédio;
A terceira equipe saiu em busca dos personagens de Angeli, principalmente os anônimos retratados nas tirinhas da República dos Bananas. Fizemos retratos dos personagens olhando para a câmera por 2 minutos.
A edição destas imagens aceleradas da cidade deveria criar no espectador a sensação dos fluxos de pensamentos e sentimentos que passam pela cabeça do artista durante o seu processo de criação. Queríamos captar o fluxo mental do artista, seu mundo interior, o imaginário e os objetos de seu trabalho: o bar, a cidade e o ser humano angustiado da metrópole. Depois de uma pesquisa escolhemos locações para cada hora do dia e abordamos seus frequentadores: no Viaduto do Chá de dia; no bar Mercearia São Pedro à noite; na Praça Roosevelt de madrugada.
Como escolheram os personagens na cidade?
Angeli faz uma antropologia urbana, é o etnógrafo que traduz a minha geração, os freaks, os office boys, os habitantes angustiados de qualquer metrópole. É só andar nas ruas de SP que você esbarra com eles. Procuramos lugares movimentados com muita gente circulando. Filmamos em plano fixo para acelerar na montagem e destacar essas figuras do mundo real, além de dar vida ao fundo onde muitas pessoas passam ou se movimentam, criar uma atmosfera menos realista evocando os fluxos da cidade e a cabeça enlouquecida do cartunista enquanto ele silenciosamente trabalha sossegado em seu estúdio.
Houve algum imprevisto?
No meio da noite da intervenção, no dia 13 de novembro de 2009, um apagão se abateu sobre o sudeste do Brasil e deixou tudo às escuras. RJ, BSB, SP sem energia elétrica. Como usávamos baterias as equipes continuaram filmando até o amanhecer e registramos os claro-escuros que são uma grande metáfora da crise que nosso personagem está vivendo com relação a sua obra. O tempo real se impôs e o acaso nos deu a chave para a compreensão do artista e do foco do filme. Não usamos o apagão de forma naturalista na montagem do filme. Utilizamos o claro escuro da cidade e também do estúdio como um elemento subjetivo que traduz os momentos de crise do personagem.
Como foi feita a pesquisa?
Passei a vida lendo as tirinhas e charges do Angeli, Laerte e Glauco, fui leitora das entrevistas, das revistinhas, antologias, tudo! Comprava para meu filho, que era fã, e líamos os dois. Quando comecei a pesquisa, Carol, mulher do Angeli, me liberou os arquivos da família e li tudo o que podia. Ricky e Ana Pinta tinham feito uma mega exposição sobre ele e me ajudaram muito a ver sua produção nestes 35 anos de carreira.
Fiz uma longa entrevista com Angeli na casa dele com uma camerazinha. Percebi que, por ser um grande criador de personagens, ele tinha criado um personagem para si mesmo, que se confundia com o personagem autobiográfico das tirinhas e que estava em todas as entrevistas. Saquei que ele era um grande ator, carismático, performático, engraçado e denso ao mesmo tempo. Conversando com Lucas, meu filho e assistente de direção do filme, viciado em quadrinhos, reclamei que o Angeli tinha se colado a este personagem e que dificilmente ele seria trincado. Foi então que Lucas me alertou para o fato de que eu deveria tirar partido disto. Decidimos então dar para Angeli um palco com três tapadeiras, como numa tirinha, para que ele desenvolvesse este auto-retrato de forma ativa.
Foi num estúdio?
Sim, queria que fosse o menos naturalista possível. Ele seria transportado para o espaço da performance. A conversa com Angeli girou em torno da mudança no seu trabalho a partir de uma crise que foi acentuada pela perda do filho de Laerte num acidente. Esta dor potencializou nos dois um desejo de mudança que já estava fermentando há tempos. Angeli conversou sobre a insatisfação como criador, o assassinato de seus personagens e a busca de uma nova linguagem abandonando os traços caricaturais e assumindo uma tirinha onde a piada não é o mais importante e sim a ideia, o conceito.
Como escolheram as tirinhas?
Fizemos uma projeção das tiras de Angeli. Joana Collier foi minha parceira nesta fase de edição desta obra tão vasta. Houve muitas conversas com a equipe nesta fase de definição do conteúdo quando os principais conceitos apareceram. A ideia era que ele entrasse na projeção, que passaria a tatuar seu corpo deixando sua silhueta na tela. Ali Angeli comentaria a sua obra e poderíamos ver nas tiras escolhidas as transformações no seu trabalho.
Na edição final outras charges foram incluídas. Angeli cria charges para comentar os absurdos do cotidiano. Ele se expõe em carne viva na serie Angeli em crise, que foi nosso fio condutor. Ele fala de si e de uma geração que mudou o comportamento nos anos 60/70, numa revolução política e existencial que ele, na contramão do século XXI, continua praticando. Angeli valoriza, exercita e atualiza essa postura ética no dia-a-dia e no trabalho, fazendo seu público se relacionar com ela. Buscamos a radicalidade que está expressa em sua obra e que faz o público gargalhar e refletir, se horrorizar ou se identificar. Rir das suas fraquezas e de suas mazelas. Confrontar-se com elas.
Como foi pensada a trilha sonora?
Ao realizar o filme pensamos numa trilha com rock experimental. Angeli trabalha ao som de rock, sua vida e seu trabalho têm esta batida. Pesquisamos muito para encontrar o tom certo. Montei o filme inicialmente com o som do Jimmy Hendrix, que é meu ídolo. Pensamos em chamar Edgar Scandurra, mas convidamos finalmente o Jr. Tostoi da banda Vulgue Tostoi, que tem uma proposta musical capaz de receber linguagens diversas. Eles estão sempre num contínuo processo de reinvenção, construindo e desconstruindo conceitos, assim como o Angeli. Fazem músicas dançantes mas que proporcionam curiosidade e estranhamento nas pessoas. Tostoi tomou pra si o documentário e compôs uma trilha visceral, foi um achado.
E o lançamento?
Pretendemos realizar um espetáculo multimídia integrando tirinhas, charges, artes plásticas, música e cinema. Nosa ideia é fazer o lançamento do cd/dvd Angeli 24horas junto com a trilha original do filme interpretada pela Banda Vulgue Tostoi num show que apresentará as músicas compostas especialmente para o filme por Jr. Tostoi. Elas precisam ir além do filme e fazer dançar plateias pelo Brasil a fora.
Faremos a exibição do documentário em telões com a trilha tocada ao vivo. Montaremos na sala de entrada do espetáculo a instalação Fluxos sobre as relações entre a obra de Angeli e os fluxos da metrópole pra expor o trabalho dele integrado com o material da intervenção que fizemos em SP. Ja inscrevi projetos para captar recursos com vistas ao lançamento nos editais dos Correios, do Sesc, da Natura Musical. Vamos ver se no ano que vem Angeli 24h cai na estrada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário