Entrevista com o diretor e pensador teatral Eugenio Barba, um
dos mais influentes da cena teatral contemporânea, que no próximo dia
1o de dezembro, às 19h, participa do encontro Debates Incalculáveis, promovido pela Vila das Artes. O Debates Incalculáveis é um
espaço de reflexão sobre assuntos da contemporaneidade, e nesta
edição, realizada pela Escola Pública de Teatro da Vila das Artes, acontece no Theatro José de Alencar (Rua Liberato Barroso, 525 – Centro). Antes, às 17h, tem performance Matando o Tempo com Julia Varley. A entrada é gratuita.
Barba concedeu entrevista para a Vila das Artes por e-mail. Nela, o pesquisador se
mostra otimista com a atual vitalidade “desse ofício” e afirma, dentro do
conceito de Antropologia Teatral, que “os princípios não são regras que devem ser
absolutamente respeitadas”. Para ele, é a partir do rompimento, que um
bailarino ou ator pode se tornar um grande artista e coreógrafo. De acordo com
o pensador, as características
individuais, como a biografia e a personalidade, junto às dificuldades de época,
também definem o teatro “que somos capazes de fazer”.
O que é a antropologia teatral ou o que se denomina
terceiro teatro?
A
antropologia teatral é um campo de estudo teórico-prático que se concentra
sobre os princípios da técnica do ator e do bailarino. É uma pesquisa sobre procedimentos concretos como, por
exemplo, o equilíbrio, a deformação ou
estilização de gestos e movimentos, a maneira particular de pensar, o que se
chama sub-partitura, o subtexto. Esses processos técnicos determinam a eficácia
da presença do ator e seu impacto sobre o sistema nervoso do espectador.
O conhecimento da antropologia teatral permite a um ator construir de maneira
consciente sua aprendizagem e lutar contra seus clichês.
O terceiro teatro é a
definição que eu dei em 1976 a toda grande variedade de manifestações teatrais
que não eram nem 'teatro tradicional de interpretação de texto', nem teatro de
vanguarda, que também se baseava em peças “absurdas” de Beckett, Ionesco,
Mrozek, Adamov. Nos anos 70, surgiu em todo o planeta, também como
consequência do ano de 1968 e da revolução juvenil, a necessidade de formas de
agrupamentos novos no teatro. Foi a década dos grupos teatrais que criaram uma
nova cultura profundamente heterogênea, com técnicas, estéticas e
objetivos diferentes. A esse teatro da diversidade, eu dei a definição de
terceiro teatro.
Dentro do conceito de Antropologia Teatral, você cita “os
princípios que são diferentes dos usados na vida cotidiana”. Apesar disso,
também diz que “a antropologia teatral não busca princípios universais, mas
indicações úteis”. Que princípios ou
indicações são esses?
Os princípios não são
regras que devem ser absolutamente respeitadas. Por exemplo, um princípio é a
mudança de equilíbrio em cada ator ou bailarino, o que gera novas tensões. Isso
pode-se ver claramente nas formas teatrais codificadas, como a pantomima, o
ballet clássico ou a dança moderna, e os estilos atorais dos teatros clássicos
da Ásia. No dia em que um bailarino clássico decide não seguir mais os
princípios do ballet clássico, pode ser um grande coreógrafo e artista,
variando as formas exteriores e respeitando o princípio da mudança do
equilíbrio. Um exemplo evidente é Balanchine.
Você disse em entrevista recentemente, em Buenos Aires,
que pesquisa o que um artista latino-americano pode aprender, por
exemplo, com um ator chinês sem, no entanto, ambos repetirem o estilo. Como
isso pode ser dar?
Por que os atores
europeus, até 1968, aprendiam o ballet clássico nas escolas, ainda que não
fossem bailar no palco? Simplesmente porque atrás das formas exteriores podiam
aprender dois princípios fundamentais para a presença cênica: a elevação - fazer-se mais alto - e a dilatação
horizontal. E claro que isso ajuda a impactar os sentidos dos espectadores.
Assim, qualquer aprendizagem de outra forma atoral, pode ser feita para
aprender as formas exteriores ou para tomar consciência dos princípios que elas
contêm.
Quais os caminhos para desenvolver um teatro que funcione
como instrumento transcultural, um teatro que perpasse as diversas
possibilidades de inter-relações culturais e sociais?
Em arte não há regras, o
caminho é individual e relativo. Cada artista, e isso vale também para o teatro
e a dança, tem que inventar as formas e as expressões que correspondem a suas
necessidades e as da sua época. No teatro, o conhecimento é incorporado e
desaparece com o artista quando falece, isso significa uma constante
aprendizagem desde o começo para cada representante de cada geração. Não
existem caminhos breves, lamentavelmente só a obstinação e a motivação pessoal
podem ajudar.
Qual o caminho pedagógico possível para se constituir uma
atuação e dramaturgia autoral em grupo?
Há
sempre em um grupo uma ou mais pessoas que têm necessidades estéticas, técnicas
e pessoais. São essas necessidades que decidem que tipo de desafios o grupo vai
escolher. Existem referências, reais ou imaginárias, que nos influenciam. Podem ser livros ou espetáculos que vimos ou
sobre os quais escutamos falar. Nossa
biografia e nossa personalidade decidem o teatro que somos capazes de fazer.
Isso em perene confronto com as dificuldades que nossa época nos coloca de
frente.
Quais os caminhos possíveis para o teatro hoje?
Os
caminhos são 7 bilhões, exatamente o número de pessoas que moram no
planeta. O teatro é uma arte que tem mostrado saber mudar sua essência. Desde sua origem,
tem sido uma empresa que deve dar um rendimento econômico. No século XX,
essa organização comercial se transformou em arte e incorporou objetivos
éticos, espirituais, artísticos, políticos, terapêuticos que nunca haviam
existido na história de suas funções. Essas mutações aconteceram na época em
que surgiu o cinema, a forma de espetáculo que dominou todo o século. Apesar
disso, o século XX foi o “século de ouro” do teatro. Quando observo a riqueza
de formas e a variedade de expressões teatrais de hoje, e o contínuo aporte das
gerações jovens com seus desejos e motivações, tenho uma sensação de vitalidade
desse ofício e isso me provoca otimismo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário