quarta-feira, 23 de novembro de 2011

“Em arte não há regras, o caminho é individual e relativo”

Entrevista com o diretor e pensador teatral Eugenio Barba, um dos mais influentes da cena teatral contemporânea, que no próximo dia 1o de dezembro,  às 19h, participa do encontro Debates Incalculáveis, promovido pela Vila das Artes. O Debates Incalculáveis é um espaço de reflexão sobre assuntos da contemporaneidade, e nesta edição, realizada pela Escola Pública de Teatro da Vila das Artes, acontece no Theatro José de Alencar (Rua Liberato Barroso, 525 – Centro). Antes, às 17h, tem performance Matando o Tempo com Julia Varley. A entrada é gratuita.

Barba concedeu entrevista para a Vila das Artes por e-mail. Nela, o pesquisador se mostra otimista com a atual vitalidade “desse ofício” e afirma, dentro do conceito de Antropologia Teatral, que “os princípios não são regras que devem ser absolutamente respeitadas”. Para ele, é a partir do rompimento, que um bailarino ou ator pode se tornar um grande artista e coreógrafo. De acordo com o pensador,  as características individuais, como a biografia e a personalidade, junto às dificuldades de época, também definem o teatro “que somos capazes de fazer”.

 O que é a antropologia teatral ou o que se denomina terceiro teatro?
A antropologia teatral é um campo de estudo teórico-prático que se concentra sobre os princípios da técnica do ator e do bailarino. É uma pesquisa sobre procedimentos concretos como, por exemplo,  o equilíbrio, a deformação ou estilização de gestos e movimentos, a maneira particular de pensar, o que se chama sub-partitura, o subtexto. Esses processos técnicos determinam a eficácia da presença do ator  e seu impacto sobre o sistema nervoso do espectador. O conhecimento da antropologia teatral permite a um ator construir de maneira consciente sua aprendizagem e lutar contra seus clichês.   

O terceiro teatro é a definição que eu dei em 1976 a toda grande variedade de manifestações teatrais que não eram nem 'teatro tradicional de interpretação de texto', nem teatro de vanguarda, que também se baseava em peças “absurdas” de Beckett, Ionesco, Mrozek, Adamov.  Nos anos 70, surgiu em todo o planeta, também como consequência do ano de 1968 e da revolução juvenil, a necessidade de formas de agrupamentos novos no teatro. Foi a década dos grupos teatrais que criaram uma nova cultura  profundamente heterogênea, com técnicas, estéticas e objetivos diferentes. A esse teatro da diversidade, eu dei a definição de terceiro teatro.

Dentro do conceito de Antropologia Teatral, você cita “os princípios que são diferentes dos usados na vida cotidiana”. Apesar disso, também diz que “a antropologia teatral não busca princípios universais, mas indicações úteis”.  Que princípios ou indicações são esses?
Os princípios não são regras que devem ser absolutamente respeitadas. Por exemplo, um princípio é a mudança de equilíbrio em cada ator ou bailarino, o que gera novas tensões. Isso pode-se ver claramente nas formas teatrais codificadas, como a pantomima, o ballet clássico ou a dança moderna, e os estilos atorais dos teatros clássicos da Ásia. No dia em que um bailarino clássico decide não seguir mais os princípios do ballet clássico, pode ser um grande coreógrafo e artista, variando as formas exteriores e respeitando o princípio da mudança do equilíbrio. Um exemplo evidente é Balanchine.

Você disse em entrevista recentemente, em Buenos Aires, que pesquisa o que um artista latino-americano pode aprender, por exemplo, com um ator chinês sem, no entanto, ambos repetirem o estilo. Como isso pode ser dar?
Por que os atores europeus, até 1968, aprendiam o ballet clássico nas escolas, ainda que não fossem bailar no palco? Simplesmente porque atrás das formas exteriores podiam aprender dois princípios fundamentais para a presença cênica: a elevação -  fazer-se mais alto - e a dilatação horizontal. E claro que isso ajuda a impactar os sentidos dos espectadores. Assim, qualquer aprendizagem de outra forma atoral, pode ser feita para aprender as formas exteriores ou para tomar consciência dos princípios que elas contêm.

Quais os caminhos para desenvolver um teatro que funcione como instrumento transcultural, um teatro que perpasse as diversas possibilidades de inter-relações culturais e sociais?
Em arte não há regras, o caminho é individual e relativo. Cada artista, e isso vale também para o teatro e a dança, tem que inventar as formas e as expressões que correspondem a suas necessidades e as da sua época.  No teatro, o conhecimento é incorporado e desaparece com o artista quando falece, isso significa uma constante aprendizagem desde o começo para cada representante de cada geração. Não existem caminhos breves, lamentavelmente só a obstinação e a motivação pessoal podem ajudar.

Qual o caminho pedagógico possível para se constituir uma atuação e dramaturgia autoral em grupo?
Há sempre em um grupo uma ou mais pessoas que têm necessidades estéticas, técnicas e pessoais. São essas necessidades que decidem que tipo de desafios o grupo vai escolher. Existem referências, reais ou imaginárias, que nos influenciam. Podem ser livros ou espetáculos que vimos ou sobre  os quais escutamos falar. Nossa biografia e nossa personalidade decidem o teatro que somos capazes de fazer. Isso em perene confronto com as dificuldades que nossa época nos coloca de frente.  

Quais os caminhos possíveis para o teatro hoje?
Os caminhos são 7 bilhões, exatamente o número de pessoas que moram no planeta. O teatro é uma arte que tem mostrado saber mudar sua essência. Desde sua origem, tem sido uma empresa que deve dar um rendimento econômico. No século XX, essa organização comercial se transformou em arte e incorporou objetivos éticos, espirituais, artísticos, políticos, terapêuticos que nunca haviam existido na história de suas funções. Essas mutações aconteceram na época em que surgiu o cinema, a forma de espetáculo que dominou todo o século. Apesar disso, o século XX foi o “século de ouro” do teatro. Quando observo a riqueza de formas e a variedade de expressões teatrais de hoje, e o contínuo aporte das gerações jovens com seus desejos e motivações, tenho uma sensação de vitalidade desse ofício e isso me provoca otimismo. 

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